Português: Aspetos culturais: Renascimento, Humanismo e Classicismo

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Aspetos culturais: Renascimento, Humanismo e Classicismo

         O desenvolvimento do comércio, das atividades industriais e das cidades relaciona-se com o grande movimento que se designa pela palavra Renascimento em sentido lato. A velha cultura clerical não consegue satisfazer as novas necessidades e aspirações culturais. E alguns grandes acontecimentos, aparentemente súbitos, mas na realidade preparados por um longo processo, transformam rapidamente o horizonte mental dos grupos sociais mais dinâmicos.
         A descoberta da tipografia e a invenção da imprensa em meados do século XV, atribuída a Gutenberg, é estimulada pela existência de um público em crescimento, para o qual já não bastava a reprodução manuscrita do livro. Essa invenção acelerou prodigiosamente a difusão dos livros, das ideias e das notícias, e constituiu-se em poderoso fator de transformação ideológica.
         O descobrimento do caminho marítimo para a Índia e o da América ‑ ambos rapidamente divulgados pela imprensa ‑, assim como o encontro de civilizações desconhecidas, como a chinesa, modificam as concepções multisseculares do europeu acerca do planeta, dos costumes e das crenças.
         Outras invenções e aperfeiçoamentos técnicos, como a artilharia, os novos processos de exploração de minas, etc., mostram as possibilidades de domínio da natureza, abrindo caminhos para a ciência conexamente matemática e experimental, que será um facto no final do século XVI com os trabalhos de Galileu.
         Não surpreende por isso que, sobretudo antes de começarem e depois de terminarem as lutas religiosas que ensanguentaram os meados do século XVI, principie a esboçar-se um moderno ideal de sociedade, sob a alegoria, por exemplo, de uma distante cidade quimérica e racionalizada, sem tribunais nem violência ‑ a Utopia de Tomás Morus (a que se seguiram, mais tarde, a Cidade do Sol, escrita em 1602 na prisão por Campanella, e a Nova Atlântida, 1627, de Francisco Bacon).
         É neste contexto que se torna possível uma assimilação mais ampla da cultura greco-latina. Embora alguns autores latinos não fossem ignorados antes do século XV (especialmente Séneca, Cícero e Ovídio) e muitos lugares-comuns literários da Antiguidade tivessem feito caminho até à literatura cortês através das obras do clero medieval, certas facetas da cultura clássica eram inassimiláveis pelo mundo feudal e agrário. O desenvolvimento da sociedade mercantil e de toda uma cultura ligada à sua experiência põe em causa a síntese doutrinária lentamente elaborada pelo clero das universidades nos séculos imediatamente anteriores, e um dos efeitos desta situação é o alargamento da curiosidade a outros aspetos do património cultural antigo em que, contrariamente à Escolástica, se dignificassem as atividades civis, o saber prático ou especulativo em diretrizes teológicas, o lucro e a operosidade mercantil, a inteligência e até o corpo humano, a vida terrena. Pouco a pouco, o esquema teológico da Criação, Queda e Redenção serve de modelo a este outro: Luzes greco-romanas, Trevas "góticas" e monaicas. Daqui a designação de Renascimento, que só mais tarde se começou a usar explicitamente em relação ao Quattrocento (século XV italiano) e a uma parte do século XVI europeu de demarcação problemática.
         Os promotores deste movimento são os Humanistas, letrados cuja actividade se exerce geralmente fora da hierarquia clerical, e que constituem um grupo cada vez mais numeroso. A palavra humanismo com que se designou este movimento, inspirada pelo conceito de humanitas (o da humanidade, ou qualidade humana, como cultura e estrutura moral) de Cícero, exprime a crença num conjunto de valores morais e estéticos universalmente humanos, os quais se achariam definidos tanto nas Escrituras e na Patrística como na cultura profana da Antiguidade.
         Já Petrarca, herdeiro da poesia provençal, viaja incansavelmente em busca de códices latinos. Boccaccio (1313-1375), Poggio (1380-1459), Alberti (1404-1472) e outros letrados italianos descobrem e dão a conhecer textos ignorados de Tácito, Cícero, Quintiliano, Tito Lívio. Prelados bizantinos fixados em Itália por ocasião dos concílios quatrocentistas, outros intelectuais de Bizâncio, posteriormente fugidos aos Turcos, e eruditos italianos, como Filelfo, e Lorenzo Valla (1405-1457), criador da filosofia clássica ‑ , contribuem para a revelação da língua e da literatura helénicas, quase completamente ignoradas no Ocidente medieval.
         Os primeiros focos desta cultura «renascida» situam-se em Florença, onde Cosme de Médicis, por influência do neoplatónico Marsílio Ficino, funda a célebre Academia Platónica, frequentada por Pico della Mirandola, Leão-Baptista Alberti e outros; por outro lado, o Renascimento encontrou importantes apoios na corte pontifícia, nas de vários príncipes italianos e nas cortes dos burgueses ou dos condottieri que dominam Milão, Ferrara, Mântua, Rimini, etc.
         Por inícios do século XVI, e sobretudo por 1520-30, o movimento humanista italiano transpõe os Alpes. Os Humanistas arrostam então com a resistência das velhas universidades e especialmente das Faculdades de Teologia. Em Paris, os Humanistas, em luta com a Sorbona, levam Francisco I a fundar o Collège Royal (1530), onde se ensinam, além do Latim, o Grego e o Hebraico. Em Espanha, o Humanismo consegue penetrar na Universidade de Salamanca e inspira a fundação da Universidade de Alcalá de Henares (1508), na qual se preparou e editou a Bíblia poliglota (em latim, grego e hebraico).
         A difusão da cultura clássica é favorecida pelas novas técnicas de produção do livro. Entre outros, Aldo Manúcio, de Veneza, lança-se, em 1493, numa vasta empresa de edição dos clássicos greco-latinos e das obras da exegese dos Humanistas, precursoras da Reforma.
         Os humanistas de 1520-30 atacam diretamente a Escolástica. Sob o ponto de vista pedagógico, o seu ideal é a realização harmoniosa das faculdades morais e estéticas do indivíduo, ideal exaltado por Juan Luis Vives, António de Nebrija, Erasmo, e outros. Em lugar da dialética e da retórica formalistas e disputadoras, propunham a leitura e o comentário dos textos de autores clássicos. Às matérias tradicionais acrescentavam a História e as obras dos autores científicos da Antiguidade, entre outras.
         Sob o ponto de vista filosófico, os Humanistas combatem o aristotelismo escolástico; muitos voltam-se para Platão e para os filósofos neoplatónicos (especialmente Plotino), facilmente conciliáveis com o Cristianismo. Outros renovam o aristotelismo, quer seguindo a corrente panteísta e materialista de Averróis, defendido por Pomponácio (1462-1542); quer tentando a harmonização do aristotelismo e do platonismo, como Bessarião em Roma e Ermolao Bárbaro em Veneza.
         Em matéria religiosa, sobretudo os humanistas mais próximos da Reforma preconizam o regresso a um cristianismo primitivo, enquanto outros, como Erasmo, vivem uma fé autorizada pelas Escrituras mas aberta a um progresso exegético permanente. Todos concordam, todavia, em descartar-se da dialéctica elucubratória e anistórica das Escolas medievais, condenam as exterioridades formalistas do culto, o excesso da tutela clerical sobre os leigos mesmo mais cultos e exemplares, o monaquismo ocioso, a insinceridade ritualista e a suficiência doutoral. Erasmo, comparando e traduzindo diversos textos gregos da Bíblia, põe em dúvida certas interpretações e até certos dogmas tradicionais.
         Enfim, sob o ponto de vista social, os Humanistas advogam a escolha dos dirigentes segundo o saber e a capacidade, condenam a guerra e abeiram-se por vezes do ideal moderno de tolerância, preconizando, nomeadamente, uma solução pacífica (irenismo) dos dissídios entre cristãos: o Cristianismo consistiria numa fé íntima e vivida, mais do que em teorias ou ritos, então fanaticamente discutidos.
         Muitos humanistas procuram evitar as polémicas arriscadas e inúteis, canalizando os seus entusiasmos para a simples ressurreição do mais puro classicismo estilístico em latim ou grego. É uma nova aristocracia intelectual que assim se forma, abroquelada atrás do privilégio de um saber difícil, com expressão em línguas mortas, que exige talento e ócio, varrendo a bárbara terminologia escolástica, substituindo a subtileza lógica pela elegância verbal. Esta tendência generalizou-se, à medida que a repressão instaurada pela Contra-Reforma tornou perigosas todas as manifestações de audácia e de iniciativa mental.
         O mais típico representante dos Humanistas é Desidério Erasmo, de Roterdão, que viaja através da Europa e afirma o seu cosmopolitismo, carteando-se em latim, única língua que utiliza, com correspondentes de todas as nacionalidades. Procurou manter-se fora das lutas religiosas, apesar de solicitado pelo Papa e por Lutero; mas, pelas suas edições e exegeses bíblicas, pela denúncia da corrupção eclesiástica, pela crítica da Escolástica, pela campanha contra o ritualismo, criou uma corrente religiosa reformista que chegou a ter numerosos e influentes adeptos.
         O Humanismo adotou como modelos as regras, os géneros, as formas métricas, os recursos estilísticos, a disciplina gramatical dos antigos autores gregos e romanos. Os escritores do «Quatrocento» italiano deram início às sínteses entre a tradição literária nacional e os modelos «clássicos», os modelos por excelência, os da Antiguidade. O classicismo de inícios do século XVI constituiu, por isso, uma latinização direta, ou por via dos latinizantes italianos, das diversas literaturas nacionais, quase sempre feita com o desequilíbrio, o exagero de todas as inovações. Foi o que aconteceu com o grupo francês da «Pléiade». O manifesto desta escola, Défense et Illustration de la Langue Française, redigido em 1549 por Joachin du Bellay, só concebe o enriquecimento do idioma nacional através da imitação sistemática, ou, segundo uma metáfora militar, a «pilhagem» dos clássicos antigos, e através do virtuosismo formal. As guerras de Itália, as lutas entre a Casa da França e a Casa da Áustria, colocam as aristocracias francesas e espanhola em contacto com o Renascimento italiano e precipitam a italianização maior ou menor das principais literaturas europeias, sobretudo a partir de fins do primeiro quartel do século XVI, embora o terreno já estivesse preparado muito antes.
         A adoção de géneros literários, de certas formas métricas de tradição quatrocentista italiana ou greco-romana e de certas referências culturais (como a mitologia), manter-se-á predominante até ao século XIX e isso deu origem ao uso do termo classicismo como nome genérico de toda a literatura compreendida entre a Idade Média e o Romantismo, não obstante as alterações no teor de vida, na ideologia e nas formas de sensibilidade artística e literária ocorrida nestes três séculos, o que recomenda uma periodização diferente. Mais especificamente, o Classicismo renascentista, ou Renascimento, tende a cobrir apenas o «Quatrocento» italiano e um período muito breve de início do século XVI europeu. Esse período, também designado como Alta Renascença, assinalar-se-ia pela fase mais expansiva e atrevida do Humanismo literário e crítico, pelo prestígio absorvente dos modelos clássicos greco-romanos, por uma concentração de meios artísticos que tem a sua expressão mais característica na rigidez geometrizante das leis da perspetiva cónica, numa pretensão de intemporalidade das alegorias mitológicas, na busca de um equilíbrio sereno entre o ideal e o real, entre o espírito e a natureza.
         A partir de cerca de 1520, avolumam-se os sinais de uma desagregação dos ideais estéticos do Alto Renascimento: a maneira, ou estilo individual, de um artista como Miguel Ângelo começa a ser mais apreciada pela sua carga de insatisfação espiritual do que pela apreensão, em perspetiva, em equilíbrio mecânico ou proporcionalidade anatómica, daquilo que haja de essencial e imanente a este mundo, tal como é característico de Leonardo da Vinci. A arte opõe-se à natureza comum, em vez de lhe procurar a essência. Admiram-se a sugestão de graça numa atitude improvável, as posições contorcidas como uma serpente ou uma língua de fogo ascensional (figura serpentinada), a insinuação do suspenso ou inconsumado; os próprios lugares comuns clássicos ou petrarquistas de transitoriedade da vida e das contradições do sentimento requintam-se numa pungência mais subtil, num estilo torturado; o belo aparece às vezes contrapontado com o disforme; e o tom humoral mais característico é o de um pessimismo ou patético ora surdamente cerebral, ou o de um senso resignado e céptico de incompreensibilidade radical ou labiríntica da vida. Estas características típicas do período de entre 1520 e 1620, aproximadamente, são muitas vezes postas em relação direta ou indireta com a Contra-Reforma tridentina, com a repressão censória, com fraturas da integridade ética (por exemplo, o reconhecimento de uma razão do Estado alheia à moral corrente, que Maquiavel formulou em 1516 em O Príncipe, defendendo o Estado nacional centralizado e secular, a destruição dos senhores feudais e clérigos, a igualdade e liberdade, a supressão dos privilégios das classes mais favorecidas até aí) e ainda com uma crise de relações sociais e políticas agravadas pelo surto do comércio transoceânico e que apenas no século XVII conduz a um novo sistema de equilíbrio. Surgirão então o absolutismo régio, a razão científica mecanicista, e um novo estilo, o Barroco, que dará um novo sentido global a certas linhas de continuidade, ou alternância, renascentistas ou maneiristas.

         Um dos traços principais do Renascimento, e daí o seu nome, é a valorização e imitação da antiguidade clássica greco-latina. Na Península Itálica, a presença das marcas arquitetónicas e artísticas do Império Romano nunca deixou de se sentir e aqui e além, no final da Idade Média, inspirou mesmo alguns arquitetos. Por outro lado, em 1543, com a queda de Constantinopla, tomada pelos turcos, muitos helenistas fugiram para a Itália, onde contribuíram para o interesse pela cultura grega, sobretudo traduzindo obras dos clássicos helénicos. A filosofia de Aristóteles, muito influente na Idade Média, foi reapreciada, mas foi sobretudo Platão o filósofo estudado pelos homens do Renascimento, já que permitia fazer uma síntese entre o pensamento clássico pagão e o cristianismo.
         Deste modo, os autores e as obras greco-romanas passaram a funcionar como modelos a seguir, visto que correspondiam àquilo que o pensamento renascentista mais apreciava: o equilíbrio, a harmonia, o respeito pela proporção, o realismo naturalista. O lema passou a ser a imitação dos clássicos, a imitação da natureza, paradigmas da regularidade, da harmonia e da serenidade, e a razão constituiu-se como elemento essencial na criação artística. Os artistas (das diferentes formas de arte) estudavam as proporções da natureza, sobretudo as do corpo humano, e faziam cálculos matemáticos e geométricos com o objetivo de criar obras parecidas com a realidade, semelhantes às da natureza.
         Assim sendo, podemos considerar a arte renascentista como naturalista. Basta atentar nos exemplos de da Vinci ou Miguel Ângelo, que estudaram o volume e até a anatomia, daí as similitudes entre as figuras humanas e animais que pintaram e a realidade. Considerando que, na arte, é essencial a representação das três dimensões do real, os pintores inventaram a noção de perspetiva, um artifício geométrico que cria a ilusão da tridimensionalidade.

Fontes:
     - A. J. Saraiva, Óscar Lopes, História da Literatura Portuguesa
     - Plural 12

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