Português: Origem da cantiga de amigo

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Origem da cantiga de amigo

            Muito se tem discutido sobre a origem da cantiga de amigo e vários foram os críticos e estudiosos que se debruçaram sobre a questão: será realmente autóctone, espontânea, sem nenhuma interferência?
            Rodrigues Lapa afirma que já antes de Cristo, na China, faziam cantigas de mulher.
            Na época pré-trovadoresca, a doutrina do amor cortês invertia os papéis: a mulher transformava-se numa deusa e o homem no seu escravo/vassalo. E o poeta, através dela, enobrecia-se e o seu espírito elevava-se numa ascese quase divina.
            Mas em Portugal acontece algo de diferente: o homem-poeta finge de mulher enamorada, transforma-se nela através da criação artística e tenta interpretar o sentir da menina.
            Segundo Natália Correia, o "paralelismo da cantiga de amigo é o testemunho da sua antiguidade, (...) relacionados com cultos remotos que nele prevalecem:
- as preces da donzela ao santo para que este lhe traga o namorado (a romaria é um local de entrevista amorosa) tem a ver com rituais (talvez célticos, romanos ou até africanos) nos quais se pedia aos antepassados, ou às forças da natureza, protecção e ajuda;
. ora, a donzela também interpela as ondas ou as "flores do verde pino", querendo saber se elas viram o seu amigo;
- talvez nas ermidas cristianizadas existissem outrora santuários pagãos consagrados a divindades aquáticas e vegetais, cuja "liturgia" seria a "matriz" da cantiga paralelística, "arrecadada nas arcas conservadoras do folclore";
. o mesmo acontece com as carjas, poesia feminina de "extração românica" que se insere no lirismo andaluz. "Ambas radicam num substrato lírico da Europa Ocidental que subentende um núcleo sagrado em que à mulher cabe uma função sacerdotal...";
. segundo escritores árabes do século XII, um poeta Mucádam, o Cego, natural de Córdova, dos fins do século IX, inventou a moaxaha, de versos curtos, de cunho popular, em língua dos cristãos ou em árabe vulgar; depois foram aparecendo outras cantigas, as coplas terminavam por carjas, jaryas, concluindo a canção;
. eram canções populares cantadas pelas donzelas, que choravam a ausência do amigo ou confidenciavam a sua infidelidade;
. muitas vezes, desabafavam com a mãe ou a irmã, queixando-se da ausência do amigo, ou pediam conselhos à mãe;
- para justificar a sua ideia, Natália Correia apresenta o exemplo de comunidades africanas, nas quais ainda hoje são reservados à mulher certos papéis, até relacionados com o fogo;
. nas bailadas, por exemplo, ainda perdura o vestígio da árvore ritual (ex.: "Bailemos nós já todas três, ai amigas");
. nas tribos africanas dos Macuas perduram estes rituais junto à árvore sagrada, o muthulo, onde se canta e dança e se implora aos antepassados que as libertem dos animais que destroem os campos cultivados, que as protejam das feras, que venha a chuva, etc.;
- nestes cantares, a figura da mãe desempenha um papel fundamental, pois estamos perante um mundo que desconhece a autoridade paterna: o pai não pára em casa, porque se encontra na guerra contra os mouros (“ferido” ou “fossado”), ou vai para "cas del-rei", ou vai para a pesca.


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